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Santa Clara de Assis

 

Temos, até hoje, escritos na história os fatos e acontecimentos que permearam a vida de inúmeros santos e santas, sejam eles reconhecidos canonicamente ou não pela Igreja Católica. Em santa Clara de Assis temos um grandioso legado, inclusive a partir de pesquisas recentes, de como foi a sua caminhada terrena, pela qual nos aponta para uma vida de santidade. Podemos encontrar tudo isso registrado em inúmeros escritos.

 

Escrito é o que está fora, é o imanente, o que podemos ver. Por exemplo, o que consta registrado e compilado em livros. Paralelamente e contrário a este termo, temos o inscrito, ou seja, este o que está dentro, faz referência à interioridade de cada pessoa. Em cada pessoa, temos inscrito o que foi apreendido na experiência cotidiana da vida e que, por sua vez, foi internalizado. Esse termo é transcendente, pois o que foi inscrito em nós e se interiorizou já participa da eternidade.

 

Mas o que temos como escritos, enquanto biografias de santa Clara, é o mesmo que foi inscrito em seu ser? Certamente, não. Mesmo sendo de grande valor para nós, pois é o que temos, ainda assim é paupérrimo. Não nos é tangível a experiência profunda que ela realizou, de um lado, com o Cristo pobre e, de outro, em fraternidade entre as Damas Pobres.

A cidade de Assis não foi mais a mesma após a vida vivida de forma intensa de Francisco e Clara, ambos filhos de um tempo e de Assis.

Durante séculos, a imagem de santa Clara ficou estritamente associada à de são Francisco; tanto por dependência e sem autonomia, sendo inviável percebê-la isolada, quanto por um romantismo exacerbado, um suposto casal. Pois uma coisa é nos atermos a uma perspectiva do carisma franciscano: a complementaridade entre os dois como a metáfora do Sol e da Lua. Outra coisa, bem distinta, é a individualidade e o itinerário humano-divino que cada um foi capaz de trilhar. Ao considerarmos este último, nos aproximamos do que nela foi inscrito.

 

Francisco a considerava como sendo a sua “Plantinha” e toda a Ordem fez questão de propagar isso. Enquanto "'Plantinha", ela bebeu da inspiração primeira de Francisco. Mas considerar Clara como sendo a “Plantinha” de Francisco nos faz intuir: pode uma muda de uma planta ser extraída e replantada noutro lugar e, ainda assim, continuar a se alimentar pela mesma raiz que a originou? Impossível. A sua raiz, na verdade, se desenvolve, cresce e busca alimentar-se de sua própria seiva. Assim aconteceu com Clara. Mesmo tendo uma afeição extrema a Francisco e uma harmonia significativa junto dele no emergir do carisma, Clara tem o seu valor único e individual. A palavra de Francisco de Assis, embebida do Evangelho de Cristo, encontrou terreno fértil em Clara e, assim, pôde estar inscrita nela e crescer eficazmente até tomar as proporções que conhecemos hoje, escritas para todos nós: “É como um grão de mostarda que alguém pegou e semeou no seu jardim: cresceu, tornou-se um arbusto, e os pássaros do céu foram fazer ninhos nos seus ramos” (cf. Lc 13,19).

 

Não vem ao caso aqui legitimar absolutamente nada, nem equiparar e sobrepor subjetividades bem estruturadas e solidificadas ao considerarmos Francisco e Clara, pois seria ineficaz. Eles são pessoas distintas e fortes; ambos traziam em si a inscrição do Evangelho.

 O que nos motiva em Clara, ao fazermos referência ao seu nome e à sua pessoa, é o fundamento pelo qual se constituiu humana, mulher, religiosa, fundadora, mística e contemplativa. Isso quer dizer que a podemos ver perfeitamente clara e límpida, sem a obrigação de estar diluída em Francisco. É o que nos aproxima do que ela tem inscrito em si. Na verdade, ao aderir o Cristo pobre, Clara traz para si “uma medida boa, socada, sacudida e transbordante” (cf. Lc 6,38). O que temos escrito dela hoje, nos furtando do mero fantasioso e piegas, é o que nela transbordou.

 

Enquanto não nos é desvelada sua clareza em totalidade, resta-nos amar também a pobreza, de tal forma que nosso coração se torne pobre, feito o Cristo. E é exatamente no coração que estará tudo o que for necessariamente inscrito (cf. Jr 31,33). Essa é uma certeza de que, também nós, estaremos voltados para a importância do que se inscreve e, como Clara, alcançarmos a felicidade plena, sendo pobres, e fazendo parte do Reino de Deus (cf. Lc 6,20).

 

Frei Márcio OFMCap

Santa Clara de Assis
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